O grande Senhor

O tempo, às vezes, é um objeto. Ainda ontem escutei alguém afirmar tê-lo perdido. E comigo! Eu não o tenho em minha posse (juro!).

Eu, que já perdi a carteira, o telefone celular, as chaves de casa e do carro, e até algumas oportunidades na vida, fiquei matutando se já perdi o meu tempo.

Pensando nestes termos, é uma obviedade afirmar que tanto se perde quanto se ganha tempo. Já me peguei adiantando umas coisas para ganhar tempo. É regra geral.

Quem mata o tempo não é um assassino e, sim, um suicida. Afinal, o tempo é imortal. Desde o início dos tempos.

Ponho-me a divagar sobre o tema, mesmo sabendo que isto será pura perda do próprio.

O tempo é cruel. Erode. Enruga. Estraga. Desbota.

Apenas algumas coisas ficam melhores com sua passagem. Dizem que o vinho é uma delas. Certas pessoas, também.

O tempo é matéria: é duro, de ferro…. É volátil e evapora feito éter. Tudo depende de sua vontade.

É um atleta e corre como ninguém. Mas às vezes demonstra vocação para lesma – e passa bem devagar.

Ele é inesquecível. Deixa sempre sua marca. Basta um olhar no espelho para encarar essa triste realidade.

Nascemos condenados a sua ditadura, concluo. Mas ele também é democrático, pois passa para todo mundo.

É um estilista. Dita a moda. Nunca é omisso, está sempre presente. Ele é sina, comprida ou curta.

Tive um irmão que morreu aos três anos de idade. E uma irmã que partiu logo ao nascer. Não tiveram tempo sequer de olhar no relógio.

Tempos modernos. Tempos passados. Tempo, tempo, tempo…

Bons tempos. Velhos tempos. Tempos de guerra e paz.

Inventor da saudade e da nostalgia.

Latifundiário, criador de vacas magras. E também de vacas gordas. Vale perguntar: onde foram parar os bois do tempo? Ou serão eles os Bois-tempo de Drummond?

Trabalha com agricultura. É de semear e colher.

É capitalista. É dinheiro.

Algumas pessoas o possuem de sobra. Outras não o tem para nada.

Às vezes ele nos cobra na mesma moeda. E não temos outra opção senão dar tempo ao tempo.

De vez em quando, o temos a nosso favor. Mas, quase sempre, ele joga contra.

Vivemos correndo contra ele, quando na verdade é ele que corre contra nós. Sobre todos e sobre tudo. Ele nos atropela como um rolo compressor. Mas consegue ser sábio e justo.

É como um juiz que não erra em seus vereditos. Diz quem está certo ou errado. Ou será que vocês nunca escutaram o refrão: “o tempo dirá quem tem razão”?

E esta é uma grande responsabilidade da qual o tempo não se esquiva. Ele faz chuva e faz sol. É de boa e, ao mesmo tempo, má índole. Escutei no rádio, por exemplo, que amanhã vai fazer tempo bom. Mas que depois de amanhã fará mau tempo.

Este senhor de mil faces é, de fato, inquieto.

Ele não pára.

É um automóvel sem freios.

Não, não pára. O tempo é tic, tac – e o que o fica entre o tic e o tac.

É um tipo raro de pássaro sem asas. Mas voa.

É uma espécie de guru que desperta em nós a generosidade: devotamos tempo aos outros e ficamos sem tê-lo para nós mesmos. É onipresente. Está em todo lugar. Ou melhor, passa por todo lugar. Passa sempre. O que às vezes me faz pensar que o tempo é Deus.